14.11.11

charles chaplin

porque quando ele chegava às seis, arrastando os trincos do portão no chão de pedra do pátio
esse era quase todo o barulho que faria pelo resto da noite
um barulho que nem era dele
mas de sua presença na casa
no mundo:
os trincos do portão
os passos lentos com os sapatos de sempre no corredor da varanda
a chapinha da garrafa da antarctica de sempre quicando na bancada de mármore
o jornal nacional às oito em ponto

meu pai era um vulto denunciado pelos sons que deixava para trás enquanto existia
meu pai antecipado por seu cheiro de tabaco queimado e desodorante
o mesmo cheiro que um dia me visitou num sonho
e até hoje tem noite em que me deito esperando que volte

às vezes meu sono fugia no meio da noite (como agora) e eu o encontrava sentado na sala escura (ele não: o vagalume vermelho do cigarro em brasa)
meu pai sussurrava meu nome, a versão mais familiar e íntima dele
eu respondia oi
e ali terminava a conversa
– e assim, mais ou menos, todas as que tivemos

meu pai era um vulto. a sombra de si mesmo. mais de minúcias que de absolutos
um personagem mais de sonoplastia que de palavras
o chaplin que entrava mudo e saía calado, como minha mãe dizia

por isso é que nos meus silêncios eu mais te sinto voltando pra casa.