14.11.11

sem título # 2

chove e é boa a chuva.

ela começa a cair na calçada e isso me faz pensar nas coisas que vêm do nada
como a amizade, a morte, um acidente
e o próprio fato de eu estar aqui-agora e pensar nisto enquanto poderia ocupar-me de tantas outras ideias em tantos outros lugares.

chove e eu penso que a chuva é um vento que pôs terno e gravata para ir à missa
e que o espírito de Deus sobre as águas nos dias da criação caiu sobre o mundo como chuva (a primeira chuva)
e que ela volta sempre (como neste fim de tarde de agosto)
pra nos mostrar que a realidade, por mais investigada e medida e explicada
é ainda uma feira de milagres, dos mais simples aos bem solenes
e quem tem ouvidos que ouça
e quem tem olhos que veja:
é tudo assombro, é tudo estranho.

chovia e era boa a chuva
como um dia terá sido esse café
como um dia terá sido essa mesa
eu – homem possível entre tantos homens possíveis
banal e único – como a chuva, a mesa, o café.

é um privilégio doloroso a consciência.